sábado, 18 de outubro de 2014
O Barba Azul
O Barba Azul
O conto trata da transformação de quatro introjeções
sombrias que, são objetos de controvérsias: não veja, não tenha insight, não
fale, não haja. Para expulsar o predador precisamos fazer o contrário.
Devemos abrir as coisas com chaves ou à força para ver o que
esta dentro delas. Devemos usar nosso insight e nossa capacidade de suportar o
que vemos. Devemos proclamar nossa vontade em alto e bom som. E devemos ser
capazes de usar nossa inteligência para fazer o que for necessário a respeito
do que vemos. A cura, tanto para a mulher ingênua quanto para os que tiveram os
instintos fragilizados, é a mesma: tente prestar atenção à sua intuição, à sua
voz interior; faça perguntas; seja curioso; veja o que estiver vendo; ouça o
que estiver ouvindo; não se permita pensamentos discordantes a respeito da vida
de sua alma e especialmente de seu valor. Capture os pensamentos nocivos antes
que eles cresçam o suficiente para te prejudicar e, então haja com base no que sabe
ser verdade.
Tanto o homem quanto a mulher podem tentar se esconder para
não ver as devastações de sua vida, mas o sangramento, a perda da energia da
vida, continuará, até que ele reconheça a real natureza do predador e o domine.
Quando conseguem abrir a porta de suas próprias vidas examinam o massacre
nesses cantos remotos, na maior parte das vezes descobrem que estiveram
permitindo o assassinato de seus sonhos, objetivos e esperanças mais
importantes.
Embora passemos um período perdido na psique, no final
conseguimos sair, pois somos capazes de penetrar na verdade total, e sermos
capazes de manter-nos consciente da existência dele e de tomarmos uma atitude
para resolver o caso.
O
Barba - Azul
"Existe uma mecha de
barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas
distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as
freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo já que ninguém mais se
dispunha a nele tocar. Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam
guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga
minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo
para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a
sombra de um buraco à noite. Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se
dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas
mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-azul.
Dizia-se que ele cortejava
três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com
aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num
esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio
na floresta. Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas
cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope
floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus cães
corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore
gigantesca, e o Barba-azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas.
"Bem, talvez esse
Barba-azul não seja um homem tão mau assim", começaram a pensar as irmãs.
Voltaram para casa
tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se
divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas
voltaram, e elas juraram quem não veriam o Barba-azul de novo. A irmã mais
nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele
não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele
lhe parecia, e sua barba também parecia menos azul.
Portanto, quando o
Barba-azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito
sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto.
Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.
- Vou precisar viajar por
algum tempo - disse ele um dia à mulher. - Convide sua família para vir aqui se
quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um
banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para
você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e quelquer porta das despensas,
dos cofres, qualquer porta do castelo; mas essa chavinha, a que tem nos altos
uns arabescos, você não deve usar.
- Está bem, vou fazer o que
você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto pode ir, meu querido, não se
preocupe e volte logo. - E assim ele partiu, e ela ficou.
Suas irmãs vieram visitá-la
e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do
dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A
jovem esposa falou alegremente.
- Ele disse que podemos
fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção
de um. Só que eu não sei qual é o aposento. Só tenho uma chave e não sei que
porta ela abre.
As irmãs resolveram fazer um
jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com
cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de
porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma
porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de
dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia
maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas,
elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada.
Ficaram intrigadas com a
última chave, a que tinha o pequeno arabesco.
- Talvez essa chave não
sirva para abrir nada - Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho -
errrrrrr. - Deram uma espiada na esquina do corredor e - que surpresa! - havia
uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava
trancada.
- Irmã, irmã, traga sua
chave - gritou uma delas - Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha
misteriosa.
Sem pestanejar, uma das
irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se,
mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.
- Irmã, irmã, traga uma
vela. - Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco mais para dentro do
aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia
uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda
parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.
Elas fecharam a porta com
violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras
arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!
A esposa olhou para a chave
e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para
limpá-la, mas o sangue prevaleceu.
- Oh, não! - exclamou. Cada
uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que
voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.
A esposa escondeu a chavinha
no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava
manchado de vermelho do bolso até a bainha pois a chave vertis lentamente
lágrimas de sangue vermelho-escuro.
- Rápido, rápido, dê-me um
esfregão de crina - ordenou ela à cozinheira. Esfregou a chave com vigor, mas
nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota
após a outra de sangue vermelho.
Ela levou a chave para fora,
tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais.
Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para
estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.
- Ai, o que vou fazer? -
lamentou-se ela. - Já sei, vou guardar a chave. Vou colocála no guarda-roupa e
fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. - E foi o que fez.
O marido chegou de volta
exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela
esposa.
- E então, como foram as
coisas enquanto eu estive fora?
- Tudo bem, senhor.
- Como estão minhas
dispensas? - trovejou o marido.
- Muito bem, senhor.
- E como estão meus
depósitos de dinheiro? - rosnou ele.
- Os depósitos de dinheiro
também estão bem, senhor.
- Então, tudo está certo,
esposa?
- É, tudo está certo.
- Bem - sussurou ele - então
é melhor devolver minhas chaves.
Com um relancear de olhos,
ele percebeu a falta de uma chave.
- Onde está a menorzinha?
- Eu... eu a perdi. É, eu a
perdi. Estava passeando a cavalo o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma
chave.
- O que você fez com ela,
mulher?
- Não... não me lembro.
- Não minta para mim!
Diga-me o que fez com aquela chave!
Ele tocou seu rosto como se
fosse lhe fazer carinho, mas em vez disso a segurou pelos cabelos.
- Sua traidora! - rosnou,
jogando-a no chão. - Você entrou naquele quarto, não entrou?
Ele abriu o guarda-roupa com
brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, machado de
vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.
- Chegou a sua vez, minha
querida - berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até
pararem diante da terrível porta. O Barba-azul apenas olhou para a porta com
seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de
todas as suas esposas anteriores.
- Vai ser agora!!! - rugiu
ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por
clemência.
- Por favor, permita que eu
me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me
tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.
- Está bem - rosnou ele -
Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.
A esposa correu escada acima
até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muralhas do
castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.
- Irmãs, irmãs, vocês estão
vendo a chegada dos nossos irmãos?
- Não vemos nada, nada na
planície nua.
A cada instante ela gritava
para as muralhas.
- Irmãs, irmãs, estão vendo
nossos irmãos chegando?
- Vemos um redemoinho,
talvez um redemoinho de areia bem longe.
Enquanto isso, o Barba-azul
esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.
- Irmãs, irmãs! Estão vendo
nossos irmãos chegando? - gritou ela mais uma vez.
O Barba-azul berrou
novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.
- Estamos, estamos vendo
nossos irmãos - exclamaram as irmãs. - Eles estão aqui e acabam de entrar no
castelo.
O Barba-azul vinha pelo
corredor na direção dos aposentos da esposa.
- Vim apanhá-la - gritou ele.
Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa
caía esfarinhada no chão.
No instante em que o
Barba-azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarrá-la, seus
irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando
assim no quarto. Ali eles encurralaram o Barba-azul fazendo com que saísse até
a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e
cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão, matando-o afinal e
deixando para os abutres o que sobrou dele.
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