Mitologia pessoal
.
Podemos definir os mitos como
relatos fantásticos que encontram lugar fora do tempo definido. São histórias
de caráter simbólico, dotadas de lógica própria, via de regra irracional,
originalmente criada e preservada pela tradição oral. Seus protagonistas,
geralmente são divindades que encarnam forças primordiais da natureza ou
aspectos fundamentais da condição humana.
Jung chamou de arquétipos (o nome quer dizer
imagens ou padrões primordiais) resíduos arcaicos anteriormente apontados por
Freud, e aplicou-lhes a ideia. O que se transmite de geração a geração desde os
primórdios é simplesmente a tendência
da mente a formar representações simbólicas, padronizadas em seu sentido
genérico, mas extremamente variáveis em seus detalhes; fenômeno esse que
origina um inesgotável universo de formas míticas
fundadas sobre umas poucas configurações matriciais arcaicas, comuns a
toda espécie humana, que nada mais são que os arquétipos.
.
É
principalmente através dos sonhos que as forças instintivas e arquetípicas
influenciam nossa atividade consciente, e conforme os impactos que sofremos de
nosso conteúdo inconsciente colecionaram boas ou más experiências, capazes de
gerar processos neuróticos, psicóticos ou saudáveis, isso sem falar das
vivências transcendentes que ampliam e alteram o estado de nossa consciência.
Chegamos assim a uma das raras verdades do campo psicológico, a de que todo indivíduo é sempre uma realidade única.
Se, por um lado, precisamos buscar nos mistérios enterrados a compreensão de
nosso presente, e necessitamos dos mitos para avaliar a produção simbólica da
alma, por outro, não devemos esquecer que cada sonho diz respeito antes de tudo
ao sujeito que o sonha, e traz em
si toda uma mitologia particular, refratada pelo prisma do inconsciente pessoal.
A partir daqui começamos a entender a passagem
da mitologia universal para a
mitologia pessoal. Nós recebemos influência do inconsciente coletivo e
seus arquétipos, mas a nossa alma tem uma pulsão de manifestar seu caráter
único, que Jung chamou de Processo
de Individuação. Ou seja, cada um de nós tem um caminho próprio, que não
se repete na natureza, e que cumpre um processo maior no eterno drama da
Criação. Por isso podemos dizer que somos heróis em busca de cumprir a nossa
missão pessoal.
Somos heróis da nossa própria jornada. Habita
em cada um de nós um herói
mitológico capaz de dar conta de nossa missão pessoal e de cumprir,
com grandeza e arte, a humana parte que nos cabe na realização da Grande Obra
divina.
A mitologia pessoal é,
pois, a fonte de nossas potenciais
capacidades, manancial de vida onde a alma pode recolher-se ou
banhar-se, ou mergulhar mais
profundamente no intuito de reconhecer a natureza de seus essenciais valores,
a fim de que possa trazê-los à tona, em prol de um verdadeiro e luminoso despertar da consciência.
Nesse sentido, a mitologia pessoal é depositária do grande drama da existência,
e seu desdobramento traduz um genuíno roteiro a ser seguido, repleto de
personagens, cenas e situações arquetípicas com os quais a alma deve
relacionar-se, de modo a orientar-se em sua travessia pelo grande labirinto do
mundo inconsciente. E o
cumprimento deste fabuloso drama tem iminente caráter iniciático, a pressupor
inúmeras mortes e renascimentos simbólicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário