quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
A Deusa Tecelã
Dos
tempos que se perdem nas brumas, emerge majestosa a Grande Deusa Tecelã, aquela
que, assim como faz a aranha até os dias de hoje, produziu do seu ventre os
fios que formam a estrutura do universo. Estes mesmos fios que, ao se organizarem
e reorganizarem continuamente formam todos os diferentes elementos que compõem
o mundo múltiplo, variado e diverso. Contendo tudo que foi, é e será sua
teia-vida estabelece as relações mútuas que vinculam esta grande variedade de
seres no que a Ciência denomina de Campo Unificado de Energia ou Consciência.
No
Egito Antigo, esta fiandeira cósmica era conhecida como a Deusa Neit. Dela
emanam os fios essenciais que se interconectam na teia multidimensional, a
estrutura básica de tudo que existe no universo. Dela também emana o primeiro
movimento da criação, que se desdobra no trançar dos fios em infinitas
possibilidades, que vão tecendo a realidade cósmica.
A
Grande Deusa fia e tece toda a existência do caos bruto em realidade. Por isto,
o fiar e o tecer são, desde os primórdios, atribuídos ao universo feminino. A
magia que permite transmutar lã, seda, linho, algodão ou outro material vegetal
em fio e com ele tecer panos para os mais variados usos, permitiu aos nossos
ancestrais sobreviverem nas regiões mais frias e mais quentes do planeta. E
esta magia era realizada pelas mãos das mulheres, sob a inspiração da deusa.
A
mais conhecida tecelã é a deusa grega Atena, patrona de todas as artes e
ofícios. Como todas as divindades, ela ilumina um amplo espectro da existência
humana. Quando nos desvencilhamos do viés patriarcal, que enfatiza seus
aspectos relacionados com o mundo masculino percebemos que a maior entre as
dádivas de Atena é imbuir com alma todos os trabalhos civilizatórios. Em assim
fazendo, ela propicia a nós mulheres uma compreensão do valor e da importância
de nossos poderes criativos. Ela nos mostra como tecer o sagrado em todos os
atos cotidianos.
De
sua origem anterior à vinda dos helenos para a Grécia, ela incorpora a
sabedoria aquática e intuitiva de sua mãe Métis, uma oceânide, finamente
sintonizada com os sutis processos de transformação que ocorrem continuamente
na vida das pessoas, receptiva aos sentimentos pessoais, poéticos e sensíveis,
próprio do princípio feminino. Ao mesmo tempo, representa o saber abstrato,
manifestado através da produção artesanal, da arte da guerra, do poder
institucionalizado, introduzido pelo princípio masculino. Em sua virgindade,
ela integra espírito e alma, apontando o caminho para nos relacionarmos a partir
de nossa integridade, de nossa autonomia.
Na
tradição hindu, a deusa tecelã recebe o nome de Maya. Posicionada no centro de
sua teia, ela não apenas tece a ordem cósmica, mas a reproduz em nosso mundo
dos sentidos de forma tão perfeita, que não distinguimos entre a realidade em
si e nossa versão dela. Assim como Maya se posiciona no centro da teia cósmica,
cada ser humano percebe a si mesmo como o centro da própria existência. Da
perspectiva psicológica, cada qual fia e tece sua própria realidade, a partir
de um centro que denominamos de Eu.
Mas,
ao tecermos nosso próprio tecido, nossa própria individualidade, não devemos
perder a noção de que estamos conectados com todos os demais seres, por meio do
fio de que é feita a grande teia. Como emanações que somos da Grande Deusa
Tecelã, todos nós somos constituídos da mesma substância e compartilhamos a
essência divina dos fios de Neit.
Tecer
significa ativar e misturar nossas experiências de vida, para produzir um
padrão individual, único e inimitável, aquilo que distingue cada qual dentre
todos os seres no cosmos. Quando permitimos que uma nova experiência se integre
no nosso viver, quando não tememos as transformações que isto inevitavelmente
traz consigo, estamos tornando nosso padrão pessoal mais complexo e, com isto,
enriquecendo o padrão coletivo. Tornamo-nos co-criadores da grande teia.
Como
co-criadoras, participamos na criação do nosso próprio destino individual e
coletivo. Pois o destino também é atributo de deusas tecelãs. Na mitologia
nórdica, tão rica em histórias que envolvem o fiar e o tecer, o destino é
decretado pelas Nornas, que compunham a teia do destino com uma miríade de fios
e linhas. A mais velha das três, que também parece ter sido a mais antiga, está
sempre sentada ao lado de uma fonte, a Fonte de Urd, onde o próprio Odin foi
buscar conselho e conhecimento.
Fiar
está arrolado entre os ofícios mais antigos conhecidos, cujas origens se perdem
na pré-história. Para as comunidades Kajaba da Colômbia, a condição para ser
mulher é saber fiar e tecer, um ofício cujos segredos são transmitidos às
jovens moças, quando de sua reclusão na tenda vermelha. Seu mito da criação diz
que, quando a Mãe Universal fincou seu imenso fuso verticalmente na terra recém-criada,
dele se desprendeu uma fibra de fio de algodão, com a qual traçou um círculo,
declarando que esta seria a terra de seus filhos. Como uma atividade
desempenhada pelas mulheres em suas casas, desde a antiguidade até a revolução
industrial, o processo de fiar e tecer tornou-se uma simbologia poderosa para a
criação de nova ordem a partir do caos, definindo o destino humano.
E
a força desta simbologia também manifesta sua influência na elaboração da
moderna Teoria das Cordas, que se utiliza da imagética da fiação, descrevendo o
tecido microscópico de que é feito nosso universo multidimensional como
ricamente urdido a partir de cordas que vibram sem cessar e, com sua vibração,
introduzem o ritmo da vida no cosmos.
Monika
von Koss
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